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O Abraço de Claire

“There are more things in heaven and earth, Horatio, Than are dreamt of in your philosophy.”

Eu reflito sobre o complexo estado de ser humana, e sobre todos os mistérios que a humanidade não consegue decifrar, enquanto sigo resoluta para o meu destino. O personagem de Shakespeare, Hamlet, filosófico e racional, também não respondia a tudo. Há mais no mundo, coisas que a razão não consegue explicar. Delegar todas as soluções da existência ao nosso limitado cérebro é imprudente. Com essa certeza empurro a porta da sala onde me aguardam. Inspiro profundamente o cheiro doce do ambiente, talvez sangue. As tochas e velas que iluminam a sala causam uma sensação de estar em outro século. Caminho lentamente, em veste de renda preta, separada especialmente para a ocasião. Eu estou em paz nessa noite. E era acometida por uma alegria incomum, que há muito me abandonara. Tinha me preparado para este dia, em que eu morreria. Ou viveria?


O medo tinha ficado para trás. A dor física não existia. Tudo em mim é expectativa de romper as barreiras da racionalidade. Sorrindo eu avisto Luz Cappadocius, vestido em manto que lhe cobria o rosto, deixando-o mais misterioso. Desde o primeiro dia que o encontrei, após a derrotada Alemanha da Segunda Grande Guerra mundial, percebi que era um estudioso e profundo conhecedor das desavenças humanas. Ao seu lado, sua cria, Alma Cappadocius. O que descobrira sobre eles, a investigação sobre a morte, a necromancia, nos aproximava. “Mais mistérios entre o céu e a terra...” Com voz imponente, a pergunta: - Está preparada, Claire? Não ventava na sala, mas sinto um arrepio percorrendo o meu corpo. Nesse momento sinto medo. Medo do que não conhecia. Medo por estar fazendo uma escolha definitiva. Respiro profundamente, fecho os olhos, e, num impulso respondo que sim, estou preparada.


Sinto alívio com a minha própria resposta e quando ele me chamou, alegrei-me. – Venha!

Não estou aqui por acaso. Nada fora fácil em minha vida, e senti que estava conquistando meu espaço neste momento. E que minha história começava.

Firme, caminho em direção ao Senhor. O que deixo para trás são anos de sofrimento, de humilhação, e de perguntas sem respostas. Minha cabeça esvazia-se das lembranças, estou concentrada na figura que se impõe à minha frente. Num instante ele envolve-me no seu abraço, e crava o dente em minha jugular, sugando meu sangue humano.

Sinto que vou desfalecer, mas meu corpo é sustentado pela sua outra cria, Alma, que me deita sobre o mármore.

Minha casca humana está morrendo, não a reconheço mais. Pálida pela ausência de sangue, a pele enruga, e talvez meus olhos estejam com aquele ar perdido, da pré-morte. Um aroma doce invade meu olfato e vejo Luz Cappadocius enchendo um cálice com seu próprio sangue. Os minutos seguintes ficarão gravados para sempre. Com a habilidade e sabedoria de séculos para entender o momento certo, ele derrama em minha boca a sua vitae. Sinto como se o próprio fogo invadisse a minha boca, que desce queimando pela minha garganta, e perpassa por todo meu ser. Com espasmos de dor, meu corpo vibra e se contorce reagindo ao sangue do vampiro.

A voz do meu Senhor invade todo o ambiente, cumprindo todo o ritual dos Capadócios. Sinto-me pequena, e estranhamente feliz. Suas palavras contam sobre o meu destino, que agora faço parte de sua progênie, e que assim viverei, tornando-me fiel aos segredos e rituais do Clã, renunciando a minha humanidade, e a todo conceito ortodoxo, morro, para viver a eternidade.


Nesse estado de letargia sou carregada para onde deverei passar os próximos dias, até o despertar da minha morte.

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