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O Despertar de Jiuer

Um suave movimento nos dedos era o sinal de que Jiuer tinha despertado, os dedos de sua mão destra se fecharam, e por espanto a intensidade ao toque foi algo jamais vivenciado, seus olhos se mantiveram fechados, onde seus ouvidos buscavam analisar o ambiente. O silêncio era "ensurdecedor", intrigada abriu seus olhos, por espanto não havia nada além da escuridão, foi então que por costume a mesma respirou fundo, buscando controle para entender o que estava acontecendo. Seus olhos arregalaram entre as trevas que a rodeava, não havia ar em seus pulmões! Controle foi o que aquela escolha menos lhe trouxe. Forçou seu corpo para cima, deixando o peso sobre os cotovelos e levantou... O movimento fez com que a vampira batesse a cabeça na superfície sólida de madeira, o pânico se iniciou ali, o barulho da pancada ecoou em seus ouvidos de forma tão alta, que Jiuer temeu acabar surda. Suas mãos percorreram o arredor de seu corpo, e nada além da fria madeira era sentido, levou o canho aos lábios os sentido gélidos, a cada segundo que se passava o pânico aumentava. Sua primeira ação foi se debater o máximo que pode, usou de todas as suas forças para romper aquela prisão, se sentia imersa, sufocada, engolida pelas trevas. De tanto lutar cansou... Foi então que percebeu, seu corpo não respondia como antes, parou por alguns segundos, e buscou escutar seu coração, ao perceber que não o escutava repousou sua destra em seu peito, nada ali era sentido, seu corpo estava morto! Mas como? Como isso era possível? Jiuer estava viva, sua mente estava viva, seus sentidos estavam mais aflorados do que nunca, entretanto seu corpo, aquela carcaça já não trabalhava da mesma forma.


Antes que a loucura tomasse conta total de sua mente, Jiuer procurou se lembrar como acabou presa. Então as respostas vieram a tona, os flash de memórias passavam em sua mente, como se ela estivesse revivendo tudo novamente. Todas as sensações vieram de uma única vez, medo, dor, raiva, alegria, confusão, hostilidade, frustração, desespero... Jiuer se deu conta que tinha despertado, todos os seus sentidos estavam absurdamente sensíveis. Podia escutar com clareza, as pequenas criaturas que estavam no mesmo aposento que ela, sentia o cheiro das velas queimando, o barulho da madeira em brasa estalar, tudo estava assustadoramente mais vivo, os sons, cheiros, toque, tudo estava mais vivo, porém Jiuer estava morta. Como era possível ? Um corpo morto sentir tanto? Jiuer sabia muito bem o que estava acontecendo, ela tinha escolhido esse destino. Por instinto mordeu seu lábio inferior, ato que quando humana lhe ajudava a centralizar seus pensamentos. Sua força ainda era desconhecida para mesma, o movimento foi tão brusco que pode sentir suas presas perfurarem sua carne. Então sentiu um gosto jamais provado antes, era ainda mais delicioso que os vinhos que a mesma amava cultivar, o gosto de sangue invadiu o seu sistema, e não apenas os seus sentidos foram despertos, a fome também foi, fome que com o passar do tempo a fez passar da sanidade à loucura. Estava em fúria por não escutar nada mais a não ser os malditos roedores ao seu redor. Não suportava as perguntas sem respostas que começaram a se instalar em sua mente, levando a mesma cada vez mais a decadência. Seu corpo estava mais vivo do que nunca, podia ali não bater um coração, ar não circular em seus pulmões, mas havia algo que a mantinha viva. Jiuer gritava para si mesma que precisava se concentrar, se debatia de todas as formas buscando fazer sua mente parar, estava enlouquecendo, seus sentidos a estavam deixando fora de si, e por fim de tanto lutar adormeceu.

Os olhos de Jiuer se abriram encontrando a escuridão, os simples estalos na madeira do caixão que a aprisionava foram o suficiente para fazerem a cabeça da recém desperta doer como jamais tinha sentido. Jiuer sentia junto a todo o barulho uma presença, não demorou muitos milésimos para perceber que o que a acordara era sua Mestre. Se seu coração batesse naquele exato momento estaria a ponto de estourar! Jiuer tinha tantas perguntas a fazer, novos medos para enfrentar, uma nova fome que a dilacerava, os sentidos que a deixavam fora de si a ponto de perder completamente a razão. AlmaCappadocius, Mestre de Jiuer à guiou da melhor forma possível, desde que haviam se conhecido Jiuer confiou sua vida aquela vampira, com o tempo Alma se tornou a criatura que Jiuer mais admirava e confiava. Em sua presença Jiuer pode entender mesmo com sua nova realidade lutando para lhe roubar a sanidade, que ela conseguiria encontrar e encaixar cada peça do quebra cabeça, precisava apenas se concentrar.

Jiuer obteve inúmeras visitas de sua Mestre, onde em cada uma delas buscava se tornar cada vez mais forte, buscava em seus ensinamentos todas as respostas que precisava para decifrar o enigma que era redescobrir como "viver". Em suas horas sozinha procurava enfrentar seus temores, mesmo que de forma falha ela precisava continuar, mesmo que isso lhe custasse toda sua energia.


Jiuer acordou com o som de pancadas, parecia que alguém se debatia e pela intensidade do som não estava muito longe, se manteve em silêncio tentando entender o que era aquele som. Momentos depois escutou uma voz, e pode constatar que em algum lugar naquele aposento Claire passava pela mesma experiência. A companhia da amiga tornou os dias de Jiuer mais fáceis de serem lidados, ambas passavam pela mesma experiência, as mesmas dúvidas, medos e angústias desde os primeiros dias antes do abraço, onde elas tiveram ensinamentos sobre o Clã.

O tempo foi passando e nem as conversas com Claire mantinham a mente de Jiuer lúcida, a mesma já havia perdido o controle do tempo, pairava entre a sanidade e a loucura, a fome se tornava cada vez mais voraz. O corpo de Jiuer continha inúmeros machucados, a mesma estava se deteriorando se tornando aos poucos em um completo animal. Jiuer já não tinha controle sobre sua mente, que com o passar do tempo começou a lhe pregar peças, aquela altura já tinha se lembrado de coisas que ela nem mesmo se recordava, lembrando de momentos em sua vida que faziam o ódio se instalar cada vez mais. Os gritos da vampira eram tão altos e intensos, que ecoavam pelo calabouço. Jiuer se esforçava para manter a sanidade, sabia que precisava centralizar seus pensamentos, a mesma tinha estudado durante meses para aquele momento, precisava ser forte, não podia ser derrotada, buscava em seu interior relembrar os ensinamentos de sua Mestre, manter vivo em sua mente que ela não foi escolhida para ser fraca! Precisava triunfar sobre seus instintos, precisava dominar a besta que lhe roubava a sanidade. O tempo parecia não passar nunca, Jiuer já não tinha forças para manter seus olhos abertos e sua mente clara, por mais que lutasse para ficar acordada o cansaço a venceu novamente.

Os olhos de Jiuer permaneciam abertos mas seu corpo estava tão exausto que a mesma evitava se mexer, sua mente vagava, buscando em seus ensinamentos um caminho para enfrentar toda aquela situação. Buscava através da meditação desesperadamente uma forma de dominar seu lado animal. Um estrondo cortou a linha de raciocínio de Jiuer, os barulhos fizeram o corpo da vampira se contorcer, seus ouvidos estavam sensíveis demais, os portões de ferro sendo bruscamente abertos, deixaram Jiuer inquieta. Junto de todo o barulho, um cheiro intrigante tomou conta do ar, passos fortes e ligeiramente raivosos ficavam cada vez mais próximos, até que pararam perto de seu confinamento, Sua mestre havia vindo lhe fazer outra visita, que como se soubesse a briga interna que a mesma travava lhe perguntou:


-Me fale, Jiuer… Fale o que estás sentindo?

A voz de AlmaCappadocius estava visivelmente agitada, Jiuer pode sentir o ódio que vinha através do tom de sua voz, se forçou a soar o mais calma possível, mesmo sabendo que tal tentativa seria falha, pois não tinha a certeza se aquela visão era real ou fictícia, já havia pairado tanto entre a realidade e o sonho que sua mente em trabalho com a fome já não lhe davam certeza se aquilo era realidade ou um devaneio.

- Difícil é lhe dizer em poucas palavras o que sinto Mestre. Mas lhe direi que a fome faz morada em mim, por mais que meu corpo esteja morto, a besta está bem viva.

O silêncio tomou conta do ambiente novamente, e Jiuer ficou cada vez mais inquieta, até que escutou os movimentos brutos de sua mestre, que socou o caixão de forma voraz! Antes mesmo de poder raciocinar, Jiuer sentiu o cheiro do sangue que emanava, sua Mestre tinha algo em suas mãos, que ao bater contra o caixão espalhou o sangue por todo o mesmo, o néctar começou a escorrer pelas brechas da velha madeira deixando a vampira hipnotizada. Jiuer engoliu a seco, e sem exitar, apoiada nos cotovelos erguendo seu corpo, abrindo a boca deixando o sangue tocar seus pálidos lábios. Ao instante que o sangue tocou seus lábios seu corpo vibrou, aquela sensação nunca lhe foi proporcionada, o sangue invadiu seu corpo como uma onda, deixando por onde passa um vestígio de luxúria e prazer. Jiuer fechou sua mão com força, fincando suas unhas, que perfuraram sua pele ao mesmo instante que a mesma buscava não gritar com toda aquela sensação. Foi inenarrável o prazer que o sangue lhe trouxe, ao perceber que o líquido estava parando de pingar, passou a linguá por toda a madeira, sugando com força todo o sangue que ali continha, a sensação foi instantânea, seu corpo reagiu ao prazer que o sangue lhe trouxe, nunca em sua existência se sentiu tão viva. A amaldiçoada sensação, jamais sentida, jamais superada, a mente de Jiuer ficou mais clara, O sangue foi a peça final para arrancar os seus pés da completa loucura, lhe permitindo ver com clareza o que a impedia de seguir.

Os momentos seguintes se passaram, sua mestre lhe dava instruções preciosas, lhe mostrou que precisava ser forte, lutar, buscar em seu íntimo a necessidade de renascer, se redescobrir, aprender a viver, e lidar com a besta que cresce... Cresce de forma voraz. Se fosse possível Jiuer sairia dali e mataria sem remorso o primeiro humano que encontrasse pela frente, sem pudor não pararia , até vê-lo suplicar pela morte, e a mesma lhe entregaria tal desejo, saciando assim sua fome. Entretanto era preciso controlar a besta que vivia ali dentro, era preciso colocar em prática tudo o que sua Mestre tinha lhe ensinado, manter o foco, usar de sua eternidade para triunfar sobre a morte, usando dela para extrair entre sua imortal existência todo o conhecimento que os mortais jamais sonhariam que existe.

Antes que o dizeres se estendessem, Jiuer se viu sozinha novamente, desta vez com a mente mais clara. Jiuer naquele momento soube que não precisaria dominar a besta, resolveu abraçá-la, se unir ao seu lado monstruoso, renascer para as trevas e usar da sua maldição para se tornar uma fonte insaciável de conhecimento, sem se importar com o preço a ser pago. Sua clausura durou outros incontáveis dias, onde a vampira buscava extrair de cada instante de completo frenesi o conhecimento necessário para sobreviver a sociedade dos amaldiçoados.

Os cadeados foram abertos, às correntes pesadamente caíram ao chão, o ranger da madeira fizeram o corpo de Jiuer arrepiar por completo. A tampa de sua prisão foi aberta lentamente, trazendo consigo uma claridade insuportável, os olhos da vampira se apertam com força pois a mesma passou tanto tempo na escuridão que a claridade já não era mais bem vinda. Suas mãos percorrem as laterais do caixão, dedilhando suavemente a madeira, até que a vampira se levanta, escutando os dizeres de sua Mestre, seus olhos se abrem e dão boas vindas a um novo mundo, uma nova vida, onde seu sorriso sádico deixa bem claro que ali renasce o terror de todos os que um dia se opuseram a ela.


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