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O Abraço de Jiuer

Repousada de bruços na janela, Jiuer tinha uma visão ampla e privilegiada do inverno Turco, a neve se fazia presente tornando o ambiente lá fora encantador. Perdida em seus pensamentos a mesma permaneceu horas ali, onde sua mente vagava, absorvendo todos os momentos que viveu em seu último ano de vida. Um ano onde a primavera se fez diferente e um novo mundo lhe foi apresentado. A brisa gélida tocou a pele branca de Jiuer a despertando de seus devaneios, com um respirar profundo, recorda que tem muito o que fazer, já não há mais tempo para se dar o luxo de contemplar a natureza. Caminha então em direção a um velho baú, se abaixa o abrindo, ali dentro contém inúmeros pertences, dentre eles um quimono cor de vinho decorado com pequenos fios de ouro, Jiuer o pega e caminha até a cama que se encontra no canto oposto ao baú, solta a peça de roupa sobre a cama voltando o seu olhar novamente para a janela. O vento lá fora é intenso, os uivos chegam aos ouvidos da dama a fazendo fechar os olhos, contemplando a magnitude da natureza, junto a paz que tal som lhe trás. Seus olhos se abrem ao escutar um breve bater na porta, ao abri-la, recebe a mensagem de que seria naquele dia que ela se depararia com a morte mais uma vez.

- Chegou sua hora de morrer...

Parada em frente à enorme porta que dividia o seu destino, Jiuer retirou da pequena abertura no quimono um cantil de prata, abriu o mesmo e se deliciou com o sabor do vinho de pêssego até que não sobrasse nenhuma gota no recipiente. Com um sorriso de canto guardou o cantil, direcionando sua destra à maçaneta.


- Agora eu estou pronta para contemplar o meu destino!


A maçaneta foi girada e a porta se abriu. Jiuer adentrou a câmara em passos calmos e largos, cessando o caminhar um pouco antes de descer o degrau, parando entre dois dos vinte e quatro pilares que compunham o local. O ambiente era frio, onde o tom azul refletia nos objetos, a música que tocava de fundo chegou aos ouvidos da humana lhe transmitindo uma certa sensação de paz. Jiuer percorreu seus olhos buscando em cada centímetro do aposento seus detalhes, sabia que aquela seria a sua última lembrança humana, buscou em seu último eternizar aquela sensação de paz em sua alma, de forma falha claro, pois o seu interior gritava, urrava, em ódio e rancor. Em seu coração não existia nada a não ser desprezo pela raça humana, o desejo de vingança já havia corrompido sua alma que naquela altura já havia se tornado tão fria quanto a geada que caía fora do mosteiro.

Instantes após parar, Jiuer pode sentir uma presença ao seu lado, a força que emanava daquela criatura fez com que seu coração palpitasse mais rápido. Não era preciso olhar para constatar, pois a mesma sabia que ao seu lado estava a vampira a quem iria entregar sua vida, seu Senhor, a quem ela iria jurar lealdade por toda a eternidade.


- Hoje é o grande dia, estamos em festa.


As palavras de AlmaCappadocius passaram por Jiuer, fazendo a mesma respirar de forma profunda. Inúmeros sentimentos se mantinham presentes naquele momento, embora vinda de cultura diferente Jiuer jamais se sentiu tão pertencente a um lugar. AlmaCappadocius estendeu a mão, direcionando o olhar da humana para o centro da sala e a manda segui-la. Atrás do altar, Jiuer pode ver sair das sombras o Senhor do Clã, LuzCappadocius. Ambos vestidos de forma cerimonial. Seus olhos percorriam pelo altar que se mantinha precisamente posicionado no centro da câmara, em cima do altar diversos objetos ritualísticos. O mármore estava manchado de sangue, o que fez Jiuer engolir a seco.


- "Que bela hora, para sentir medo, não é mesmo!?"


Ao caminhar seguindo AlmaCappadocius, Jiuer pára por alguns segundos, olha para ambos os vampiros à sua frente e trava o seu olhar em seu Senhor, aquela que durante longos meses lhe ensinou tanto, abrindo as portas de um novo mundo, uma nova existência, lhe entregando a chave para a imortalidade, onde com paciência sanou suas dúvidas, a guiando por todo o caminho percorrido. Jiuer sorri de canto, certa de sua escolha, então sobe os três degraus que a separam da morte. Jiuer parou no local indicado, onde instante após pôde sentir a presença de AlmaCappadocius atrás da mesma. Os braços da vampira envolveram o corpo da humana, que entregue aos seus domínios obedece, inclinando o seu pescoço, dando à vampira a visão de sua jugular e clavícula. Jiuer pôde sentir as presas da vampira perfurarem sua carne e a sensação de dor invadir seu corpo, a dor durou incontáveis segundos e na mesma intensidade que veio se foi, deixando ali apenas um estranho prazer. De pouco em pouco, nada mais era presente, Jiuer já sentia dificuldades para se manter em pé, seu corpo não obedecia aos seus comandos, não havia força o suficiente em suas pernas para mantê-la erguida, seu coração palpitava cada vez mais devagar, dando sinais de que a qualquer momento iria parar... Então, deu boas vindas à velha e já familiar escuridão, desfalecendo aos braços da vampira.

Jiuer pairando entre a vida e a morte, sente seu corpo ser tomado aos braços de LuzCappadocius e levado até ao altar, onde é deitada, seu sangue mancha o mármore deixando ali sua marca, que se mistura junto as demais manchas já contidas ali.



O ritual se inicia, a humana prova do sangue da vampira e seu corpo é invadido pelo sangue poderoso que trabalha fervorosamente em sua transformação. O corpo de Jiuer morre de dentro para fora, a mesma se contorce sobre o mármore, sentindo cada parte do seu corpo arder, cada órgão parar de funcionar, sente seu corpo morrer parte por parte. A dor toma conta daquele corpo o rasgando de dentro para fora, cada segundo que passa a queimação aumenta, seu corpo está em chamas e não há nada que diminua a queimação. Entregue à dor e agonia, Jiuer escuta de longe, quase que num sussurro, a voz de seu Senhor.



- Eu a pergunto, Jiuer, agora que estais prestes a adentrar ao mundo dos mortos-vivos, serás tu leal a esse elo, a entregar sua alma às trevas tornando-se fonte inesgotável de poderes recebendo a marca de nossos Ancestrais?


Jiuer unindo os últimos vestígios de forças ainda contidas em seu corpo, responde:

- Sim. Serei leal à prole do meu Senhor entregando minha alma às trevas.

Sem mais forças, Jiuer solta seu corpo sobre o frio mármore, entregue aos delírios e dores da transformação. Apenas pode escutar de fundo as falas ritualísticas de AlmaCappadocius. Falas que penetram em sua alma preenchendo seu espírito, flashes da sua vida humana passam pela mente de Jiuer. A cena da chacina de sua família permanece em sua memória, toda a dor que presenciou se mantém viva, em cada parte da sua alma. As cicatrizes não morreram, se mantêm vivas e mais expostas do que nunca. Em seus delírios pôde escutar as felicitações de AlmaCappadocius e de LuzCappadocius. Uma lágrima escorre pelo rosto de Jiuer ao escutá-los e sem forças, segura nas mãos da morte que a saúda, lhe dando boas vindas ao seu lado.


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