O Medo da Morte na Idade Média (Realizada em: 03/09/15)
JaphethCappadocius dá inicio à palestra...
Hoje o tema da palestra é: o Medo da Morte na Idade Média. Espero que aproveitem.
O medo da morte possui uma ligação com a história social, trazendo consigo uma complexidade com múltiplos valores específicos, de um processo que se formulou a partir da experiência dos indivíduos. Ideologicamente, podemos notar que a morte envolve um conjunto de representações e formas, incluindo também as práticas, normas e comportamentos conscientes ou inconscientes. Na forma pragmática do entendimento, o conceito de coletividade se relaciona com categorias ou maneiras próprias de liberdade do espírito humano, que se expressa através dos múltiplos fatores que evidencia o drama do medo na sociedade ocidental, onde as normas sociais e culturais visavam o equilíbrio entre poder e limite. Utilizando o termo cultura, devemos fazer um diálogo com a cristandade, pois a religião cristã é supostamente “superior” as outras sociedades, pois sua ideologia é formada na Idade Média, onde os limites da cristandade eram os limites humanos; um movimento de lutas entre humanos, cristãos e pagões. A concepção do medo é algo que o homem desenvolveu como uma capacidade construída culturalmente, ideal que partiu de uma construção do mundo material. E apesar dessa reconhecida diferença cultural percebe um traço em comum: o medo de morrer. O idealismo construído sobre o medo no ocidente é uma ideia cujo produto é definido no mundo material, porém o materialismo se divide em vários campos e um dos principais é a alienação, algo visível no Ocidente Médio, pois as sociedades medievais ligavam o medo de morrer com a vida. Processo de alienação do medo que se constituía no mundo dos vivos.
JaphethCappadocius: (Ou seja, o materialismo como um modo de vida voltado completamente para os bens materiais e seus prazeres, era algo comum nas sociedades, facilmente adotado pelas pessoas. Entretanto, nas sociedades medievais esse tipo de vida trazia o medo da morte, possivelmente um medo maior que qualquer outra sociedade, sendo também facilmente adotado pela população).
A religião é um fator de grande importância na Idade Média, pois ela mantinha as pessoas alienadas ao medo que naturalmente é algo normal. O conceito de homem se afirma como produto do meio, mas os impasses e interesses os levam as influências e transformações do meio. Ao estudar paradigmas como o medo da morte, pode-se deparar com a memória a qual possui conceitos cruciais; ela surge nas ciências humanas. A memória como propriedade de conservação, se retém em primeiro lugar, a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode utilizar impressões ou informações do passado. Os conflitos e imagens criadas na Idade Média a respeito da morte levaram os indivíduos a um nível metafórico de perturbação, na perca de indivíduos de forma voluntária ou involuntária, a memória coletiva se determinava por uma perturbação de uma identidade também coletiva, onde ambos se alimentavam do medo e da dor, os quais pouco tinham a esperança de um “novo amanhã”. Sobre os estudos da morte na Idade Média, podemos ver a contribuição da memória, em diversas formas que engloba todas as comemorações ritualísticas dos defuntos tais como: as procissões funerárias, os aniversários dos mortos, a celebração litúrgica dos mortos (fosse ele um morto comum ou um morto especial, ou seja, um “santo”). Assim, fica claro que o estudo empírico da morte, se afirma em uma aventura mental individual ou coletiva que busca respostas nos ritos e causalidades próprias da época. Sob diversas formas, a memória é fundamental para compreendermos os medos das sociedades medievais, pois é possível abordarmos inúmeros sentidos de uma memória que era transmitida aos indivíduos através das práticas e formas de rituais litúrgicos.
A liturgia monástica na Idade Média voltava à memória como comemoração litúrgica dos vivos e dos mortos, porém a recordação dos mortos era evocada de duas maneiras, a primeira originária de práticas cristãs primitivas, uma evocação no cânon da missa e a outra ocorria após as leituras dos capítulos das regras beneditinas. A memória medieval é essencialmente transferida através da oralidade, ato que ocorria nas cerimônias. A memória exprimia um contexto social, onde as características orais são de extrema importância, mas a utilização de textos também se tornaram fontes essenciais e variadas. Assim fica visível que a memória monástica não era uma atividade passiva, e sim ativa, por que ela selecionava, corrigia e reinterpretava constantemente o passado em função das necessidades do presente. Notavelmente, a memória desempenha o papel de construção do medo da morte, algo transmitido através do cristianismo e da sua injunção eucarística, que tem relação conceitual de divino e de pecado; ideais que predominaram no Ocidente. Em todo caso, a razão mostra que o passado não conserva por si próprio, mas se constrói e se organiza pelos indivíduos que pretendiam seguir seus reis, que muitas das vezes se intitulava “guardiões” das lembranças ou das tradições dos ancestrais, um processo fundamental para a transmissão de informações e práticas; porém precursora de inúmeras limitações geradas pelo medo de morrer. Sendo assim, o homem na Idade Média se encontrava submisso aos dogmas e práticas religiosas, (ideais transferidos graças a memória), que tornava severo os sistemas em geral, declarando que seu princípio estava sujeito à lei universal de toda a vida, onde o homem deveria passar, assim como todos os povos e religiões, pela essência da purificação da morte.
JaphethCappadocius: (Esses fatores deixavam o homem medieval conformado com a miséria vivida, com a peste que assolava, pois somente com a dor, a renúncia e a purificação da morte que o homem garantia a salvação e o paraíso).
O medo de morrer é algo coletivo e universal e na Idade Média todos os seres humanos, independentes da idade, sexo, nível sócio econômico e religioso a temia. A morte era algo que espreitava os homens, os obrigando a usar mecanismos de defesa, os quais se expressam através de fantasias inconscientes sobre a morte. A morte é um dos fatores primordiais que leva a humanidade a busca constante do mistério da alma, uma perspectiva religiosa que se formula ao longo da existência; pois a alma não pode entrar no “reino dos céus” por outro caminho se não aquele determinado pela religiosidade de cada indivíduo que se conduz pela fé. Esta alma religiosa se separa da vida cotidiana buscando fugir dos símbolos do paganismo, tratando de uma permanência na obediência de Deus. Deste modo, os pensamentos negativos produzido pelo medo vão ser eliminados pelo espírito religioso que busca se tornar um ser bom, domesticado pelas regras e normas da vida social religiosa. Tal ideia se contraponhe a duas perspectivas, uma de eliminar o medo de morrer buscando as coisas do alto, do céu, praticando a fé em um Deus, e a outra se pauta da busca religiosa como um processo de preparação da alma após a morte do corpo físico.
Para compreendermos a relação da vida com a morte, devemos fazer um paralelo entre sofrimento e alegria. Paralelos opostos, mas ao mesmo tempo interligados um ao outro ao longo da existência do homem medieval. No período medieval a morte era o grande momento de transição, das coisas passageiras para as eternas. Era aguardada no leito de casa, onde o homem deveria ficar deitado de costas, para o seu rosto estar voltado para o céu. A morte era uma cerimônia pública, um ritual compartilhado por toda a família e amigos. Os medievais pressentiam a morte próxima de si, e assim tinham tempo de se preparar o seu ritual coletivo. Ninguém morria só. A morte era uma festa; momento social de maior importância. Todos deveriam acompanhar a passagem do homem para o além, incluindo as crianças. O pranto era executado exclusivamente pelas mulheres; que deveriam ficar perto do corpo, arrancando os cabelos e rasgando as vestes. Elas eram os agentes essenciais no rito funerário, pois representavam o prelúdio da mudança para um estado superior. A preocupação maior na Idade Média não era com a morte, mas sim com a salvação da alma. Essa era a morte lenta nos leitos daqueles que haviam sobrevivido das doenças, da fome e das guerras. Isto explica a preocupação dos indivíduos em praticarem a excessiva devoção que era exercida em paralelo às manifestações de piedade. Algo que se concretizava com a entrega do jejum, das vigílias excessivas e rígidas; da constante preocupação em praticar as coisas da Igreja agindo contra as tentações do demônio. A arte de morrer, estava compreendida em uma descrição da agonia da morte. O desejo de inventar uma imagem de tudo o que se relacionava com a morte deu lugar ao desprezo de todos os aspectos dela que não fossem susceptíveis de direta representação. Assim a mais crua concepção da morte, se fixa continuamente no imaginário coletivo medieval. O medo de morrer promovia fenômenos derivados do dualismo entre a crença na onipresença de um imaginário voltado para a construção de demônios que poderiam ser combatidos através da fé, do cumprimento das normas e regras colocadas pela Igreja medieval.
Em suma, o homem medieval vivenciava um dualismo com relação ao conflito cósmico do bem e do mal, ocorrendo uma desvinculação da matéria, onde os monges procuravam levar a prática da meditação, oração e mortificação do corpo com relação às práticas carnais, visando à libertação das coisas corporais como instrumento de retorno a Deus. Na Idade Média isso se refletia na visão do pós-morte, um processo de fase coletiva, onde era comum a cena do juízo final, após a qual a humanidade estaria dividida em dois grupos, o dos condenados e o dos salvos. O temor da morte, no entanto não deve ser visto como um medo sem controle. O grande medo era mesmo morrer sem uma preparação, pois a preparação facilitaria a espera da morte e aliviava a apreensão da passagem para o além. Vivos e mortos conviviam pacificamente dentro dos meios citadinos, elemento comprovador de que o homem medieval não temia a morte em si, mas não estar “preparado” para ela era a grande aflição. Assim, ao analisar o medo da morte na Idade Média, nos deparamos com regras e comportamentos que favoreciam para uma boa morte, ou seja, uma preparação para o pós-morte que requeria práticas diárias para eliminar os desejos da carne. O controle sobre o desejo do corpo simbolizava o afastamento das coisas terrenas e uma forte aproximação de Deus. A administração do corpo era algo praticado pelo homem medieval que desejava a vida plena e uma morte digna. A sexualidade era configurada como o desejo da carne que deixava os homens bestializados diante do prazer sexual, mas ao mesmo tempo afirmava o medo de morrer, pois estavam praticando algo considerado libertino e pecaminoso. Pois o valor do ato sexual era considerado pelo cristianismo como algo do “mal, do pecado, a queda, a morte”; o homem medieval deveria acentuar os valores morais e espirituais, atribuindo a tal idéia a prática da abstinência rigorosa, a castidade permanente e a virgindade.
JaphethCappadocius: (Quanto mais puras eram as pessoas, menos medo da morte elas sentiam. Acreditavam que assim, suas almas teriam mais chances de irem para o Céu após a morte recebendo o acolhimento de Deus e seus anjos).
Fonte: (O Medo da Morte na Idade Média, Dhiogo José Caetano)