Aproximação da morte: cuidado a pacientes no fim da vida
Uma obra de grande impacto na história da Tanatologia é Sobre a morte e o morrer (Kübler-Ross,1987), que fala sobre o cuidado a pacientes gravemente enfermos, destacando a importância da escuta de suas necessidades e seu sofrimento. Ela é mais conhecida pelos estágios (negação, raiva, barganha, depressão e aceitação) vividos por pacientes que recebem o diagnóstico de doença grave. Na verdade, a autora fala das reações de pessoas nesta situação. Ela temia que os profissionais se fixassem na sequência dos estágios, o que poderia indicar a busca de um padrão ou molde. Entretanto, o fundamental em sua obra é a proposta de comunicação que a autora apresenta. Infelizmente, foi dada mais importância aos estágios propostos do que à sua experiência clínica.
Um estudo clássico na pesquisa com pacientes em estágio terminal da doença é o de Hilton (1963), que verificou altos níveis de desespero e depressão em 55% dos pacientes. Foram observados temas como desligamento das preocupações sociais e a necessidade de cuidado às perdas relacionadas com a doença. Glaser e Strauss (1961) pesquisaram os níveis de consciência de pacientes gravemente enfermos sobre a sua doença e a aproximação da morte, trazendo questões importantes sobre a comunicação com eles. Os autores realizaram estudos em hospitais de São Francisco, nos Estados Unidos, com pacientes internados, observando sua relação com a equipe de saúde. Na chamada consciência fechada, o paciente não quer saber de sua doença ou aproximação da morte e o profissional também não fala. Pode também ocorrer fingimento mútuo, não deixar que o outro saiba, o que já se sabe. São apresentadas as trajetórias de mortes rápidas, inesperadas, esperadas ou prolongadas.
O crescente desenvolvimento da medicina e dos hospitais provocou a transferência do lugar da morte para estas instituições. A invenção de procedimentos de alta tecnologia como a hemodiálise trouxe novas questões sobre vida e morte. Uma questão muito difícil para os médicos é decidir quais pacientes serão encaminhados para Unidades de Terapia Intensiva (UTI) com possibilidade de serem salvos, e quais não irão, com risco de morte.
A questão dos transplantes trouxe também reviravoltas em relação ao momento da morte, dividindo-a em duas vertentes: morte clínica e cerebral. Cria-se aí um dilema ético envolvendo o atestado da morte para retirada de órgãos, com o coração ainda batendo, o que afeta profundamente o imaginário popular que entende que há vida enquanto o coração bate, mesmo que o cérebro esteja morto. Com o desenvolvimento da tecnologia médica os hospitais tornaram-se "instituições para a cura". Novas questões sobre vida e morte se apresentam então. O ser humano tem direito à vida e também à morte digna, surgindo a questão: qual é o real papel das Unidades de Terapia Intensiva? Salvar vidas ou prolongar mortes? Vemos na prática médica esta mesma contradição: por um lado, tenta-se prolongar a vida a todo custo e, por outro, há uma busca para mortes com dignidade. Questões sobre o fim da vida mostram a importância do entrelaçamento da Tanatologia com a bioética, uma discussão interdisciplinar.
Uma das áreas que demanda maior profundidade envolve os cuidados a pacientes no fim da vida, observando suas necessidades, a estrutura de atendimento nos hospitais e outros recursos como hospícios, unidades de cuidados paliativos e o cuidado domiciliar. Inclui temas polêmicos como morrer com dignidade, eutanásia, e o suicídio assistido.
Schultz e Schlarb (1987) apontam a magnitude do problema, já que é crescente o número de idosos doentes e pacientes em estágio avançado da doença. As pesquisas na área de cuidados paliativos envolvem temas como: agravamento da doença e sintomas múltiplos e incapacitantes, transmissão de más notícias, enfrentamento da proximidade da morte, processo do luto antecipatório e o luto dos familiares.
Em 1995, foi realizado o estudo Study to understand prognosis and preferences for outcomes and risk of treatment, citado por Lynn (1997), com o objetivo principal de colher informações sobre pacientes em estágio de terminal e seus familiares. Esta pesquisa durou quatro anos, envolveu 9000 pacientes de cinco hospitais de ensino nos Estados Unidos, procurando verificar a causa do sofrimento na situação da morte. Os pesquisadores verificaram que 55% dos pacientes estavam conscientes nos três dias que antecederam a sua morte, 40% apresentavam dores insuportáveis e 80% tinham fadiga extrema, 63% relataram ter dificuldade para tolerar o grande sofrimento físico e emocional relacionado ao agravamento da doença e com o estágio final da vida. O estudo indicou também que 20% das pessoas morrem nas UTIS. Daqueles que lá estiveram e saíram: 76% relataram desconforto, 72% falaram que tiveram muita sede, 68% sentiram sono, 63% ansiedade, 56% dor e 52% raiva. Observa-se, então, um grande índice de sofrimento, que se torna ainda mais grave para aqueles casos nos quais a doença chegou a um ponto de irreversibilidade. Nestes casos, medidas invasivas podem se tornar inúteis. A referida pesquisa trouxe elementos importantes para a discussão e implantação dos programas de cuidados paliativos.
Os estudos sobre crianças e adultos com doenças em estágio avançado numa abordagem qualitativa trazem dados importantes sobre os momentos vividos no diagnóstico, no transcorrer da doença e tratamento, e no estágio final, envolvendo os sentimentos relacionados com cada fase e as formas de enfrentamento utilizadas.
As primeiras pesquisas nesta área fizeram comparações entre os cuidados oferecidos em hospitais convencionais e os programas de cuidados paliativos. Os programas de cuidados paliativos oferecem: alternativas de tratamento menos agressivo, melhor controle de sintomas, família mais próxima dos pacientes, embora com nível maior de estresse e preocupação, custos menores; menores índices de depressão. Atualmente estas diferenças entre modalidades de atendimento não são tão marcantes e as pesquisas passaram a envolver temas como morte com dignidade e as necessidades dos pacientes no fim da vida.
Há dificuldades de pesquisas com pacientes gravemente enfermos. Estudos quantitativos podem trazer dados para o desenvolvimento da área, mas podem se tornar inviáveis se demandarem grande número de pacientes com características semelhantes. Por outro lado, pesquisas qualitativas, depoimentos, histórias de vida podem trazer de forma mais aprofundada o universo e a percepção de pessoas que estão vivendo tão próximas do fim da vida. As escalas de qualidade de vida podem não trazer toda a dimensão deste momento da existência. O melhor é sempre perguntar, ao próprio paciente, se suas necessidades foram atendidas e ficar atento a como ele fala de sua própria dor e sofrimento.
Outra área importante de desenvolvimento é a de cuidados paliativos a pacientes idosos. É um grande desafio cuidar de seus sintomas incapacitantes, sendo os mais graves: demência, esclerose e confusão mental, como apontam.
Em duas pesquisas realizadas com pacientes portadores de câncer avançado na Unidade de Tratamento da Dor e Cuidados Paliativos no Hospital Amaral Carvalho em Jaú-SP, foi discutido como avaliar sua qualidade de vida na busca por melhor compreensão de suas necessidades. Questões atuais ligadas ao cuidado com pacientes com doença avançada envolvem a discussão sobre a morte com dignidade e o direito de escolha da própria morte.
Uma outra área importante de trabalho e de pesquisa nos estudos sobre a morte é a formação e preparação de profissionais de saúde para lidar com pacientes com doença grave e seus familiares. Benoliel (1987), enfermeira e pesquisadora, aponta questões importantes para reflexão sobre o tema. Várias pesquisas mostraram como profissionais lidam com a morte, seus índices de ansiedade, medo e de que modo enfrentam a situação. Entre as principais dificuldades relatadas estão: como falar com pacientes sobre o agravamento da doença e a possibilidade da morte, como realizar os procedimentos usuais em pacientes sem prognóstico de cura e a sensação de impotência que estas situações provocam. A autora apresenta ainda a importância dos cursos sobre a morte e o morrer para estes profissionais, trazendo a possibilidade do autoconhecimento e a capacitação para lidar com pacientes próximos à morte. Verificou que alguns cursos para a formação de profissionais de saúde incluem o tema da morte em uma aula ou módulo. Propõe que sejam criados cursos específicos de Tanatologia, com duração que favoreça, além dos conhecimentos técnicos, a possibilidade de entrar em contato com valores e sentimentos mais profundos.
Na mesma direção da proposta da autora mencionada, desde 1986 tem sido oferecida uma disciplina optativa com o título Psicologia da Morte no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, com os seguintes objetivos:
a) sensibilizar o aluno para os sentimentos e reflexões sobre os vários pontos abordados no curso, como por exemplo: suicídio, aproximação da morte, perda de pessoas da mesma faixa etária por acidentes, entre outras;
b) apresentar várias abordagens teóricas sobre a questão da morte;
c) propor reflexões sobre a prática vivida, aprendizagem que envolve aspectos cognitivos e afetivos propiciando buscar o sentido individual e o coletivo. Trata-se da possibilidade de uma constante revisão da atuação do estagiário e do profissional, levando à construção de seu conhecimento.
O curso aborda vários temas que poderão ser incluídos ou aprofundados dependendo do interesse dos alunos. Citamos a seguir aqueles que compõem a base da disciplina Psicologia da Morte (Kovács, 2003):
a) Retratos da morte no Ocidente: domada, interdita, reumanizada e escancarada. A visão oriental da morte;
b) Morte no processo do desenvolvimento humano. O desenvolvimento do conceito de morte em crianças e adolescentes. A questão da morte na fase adulta e no envelhecimento. Elaboração psíquica da morte nas várias fases do desenvolvimento;
c) Abordagens teóricas do tema da morte;
d) As perdas na existência e o processo do luto. Cuidados psicológicos a pessoas enlutadas. Fatores de risco para luto complicado;
e) Comportamentos autodestrutivos e o suicídio. Programas de prevenção do suicídio. Cuidados psicológicos a pessoas em risco e seus familiares;
f) Pacientes gravemente enfermos. Cuidados no fim da vida. Programas de cuidados paliativos;
g) Bioética nas questões da vida e da morte. Eutanásia, suicídio assistido;
h) A questão da morte nas instituições de saúde e educação. O trabalho do psicólogo com pessoas vivendo situações de perda e morte.
|Desenvolvimento da Tanatologia: estudos sobre a morte e o morrer | Por Maria Julia Kovács|